Overtourism: os problemas do turismo em excesso

A pandemia de Covid-19 provocou uma crise sem precedentes no setor de turismo, com destinos no mundo inteiro sofrendo pela redução drástica no número de visitantes. Esperamos que esses lugares se recuperem em breve, mas isso não significa que um alto fluxo de turistas é sempre bom. Na retomada precisamos continuar atentos ao chamado overtourism, termo em inglês que significa “turismo em excesso”.

Mas o que define esse excesso? Não se trata simplesmente de um lugar estar muito cheio. De acordo com a OMT, overtourism é “O impacto do turismo em um destino, ou em partes dele, que influencia excessivamente de maneira negativa a percepção da qualidade de vida dos cidadãos e/ou a qualidade das experiências dos visitantes” (tradução livre).

Ou seja: são as situações em que o turismo ultrapassa os limites físicos, ecológicos, sociais ou econômicos de um destino. Em alguns casos, isso pode simplesmente deixar o lugar desagradável. Nas situações mais graves, o overtourism prejudica o meio ambiente e as populações e deteriora patrimônios históricos, entre outros problemas.

Esse fenômeno é uma mostra de como o turismo pode ser uma faca de dois gumes, trazendo diversos prejuízos caso não seja planejado e executado de forma responsável como incentiva o Coletivo Muda. Vamos entender melhor esse conceito?

Turismofobia

O overtourism ganhou destaque na mídia nos anos anteriores à pandemia. Tanto que em 2018 o Oxford English Dictionary escolheu essa como uma das palavras do ano. A questão chamou atenção especial quando moradores de cidades afetadas começaram a protestar, num movimento de “turismofobia”.

Em Barcelona, por exemplo, pichações de “vão embora, turistas” podem ser vistas em vários muros. Outra cidade que sofre muito com o excesso de turistas é Veneza, na Itália, onde negócios locais como padarias e floriculturas fecharam as portas por não conseguir competir com lojas de grandes marcas internacionais e de souvenires.

No livro Overbooked: the exploding business of travel and tourism e no documentário Crowded Out: the story of overtourism, moradores de Veneza dão depoimentos dizendo que a cidade se tornou praticamente um parque de diversões para estrangeiros. Infelizmente, vemos isso acontecer em vários outros lugares, inclusive aqui no Brasil.

Quais são as causas do overtourism?

Muitos fatores podem levar um lugar a ser prejudicado pelo turismo excessivo. Veja alguns exemplos:

Sobrecarga de poucos destinos

Dados do Conselho Mundial de Viagens e Turismo citados na reportagem da CNN Travel “Can overtourism be stopped in its tracks?” apontam que mais de 36% do 1.4 bilhão de viagens internacionais em 2018 tinham como destino uma das 300 cidades mais populares do mundo. Considerando que existem cerca de 2.5 milhões de cidades no planeta, percebe-se que estamos diversificando muito pouco nossas viagens.

Alguns lugares famosos têm um apelo mais evidente, mas vários outros cantos do mundo também podem oferecer experiências incríveis. Por isso, cabe aos viajantes abrir a mente para outras possibilidades, e aos empreendedores e gestores públicos diversificar a oferta turística e atrair as pessoas para destinos menos saturados.
Outra questão que influencia nesse quesito é o barateamento das passagens de avião. Muitas vezes um voo internacional custa menos que um percurso de ônibus ou trem dentro de um país, e isso facilita o hábito de viajar para os lugares mais populares, mesmo que exija fazer longos percursos. Infelizmente, o meio ambiente paga a conta, já que o transporte aéreo emite muitos poluentes.

Sazonalidade

Muitos lugares são visitados massivamente na alta temporada, o que provoca uma sobrecarga no lugar e na vida das pessoas que moram ali. É verdade que muita gente só pode viajar em períodos de férias escolares, mas a maioria dos destinos oferece atrativos em diferentes períodos do ano – ou poderia passar a oferecer.

Atitudes irresponsáveis

Outro fator que influencia o overtourism é o comportamento das pessoas que visitam os destinos. Quando não há regulamentações ou fiscalização adequadas e certas práticas são popularizadas num lugar, ele pode se tornar desagradável ou até mesmo perigoso para quem mora lá.

Por exemplo, quando uma cidade vira point para festas ou é muito visitada por gente que busca usar drogas ilícitas. Quem lida com as consequências é quem mora no local, não quem está de passagem.

Aluguéis por temporada

Um ponto problemático em grandes cidades é o aluguel de casas, apartamentos ou quartos por temporada em bairros já saturados de turistas. Além disso, muita gente prioriza alugar seus imóveis para quem vem de fora, em busca de lucros maiores. Consequentemente, pessoas nativas do lugar não encontram aluguéis que possam pagar e são forçadas a se mudar.
Por conta disso, algumas cidades têm implementado regulamentações, limitando o número de imóveis de aluguel por temporada em determinados bairros ou permitindo apenas o aluguel de quartos, e não do espaço inteiro.

Grandes cruzeiros

Muitos dos destinos que mais sofrem com o overtourism são portos de parada de cruzeiros gigantescos. Através deles, milhares de pessoas chegam ao mesmo tempo no lugar, vão para os pontos turísticos mais lotados e contribuem pouco ou nada com a economia local. Para completar, os navios costumam gerar bastante poluição e muitas vezes têm péssimas políticas trabalhistas.

Redes sociais

A “viralização” de um destino através de fotos em redes sociais é capaz de levar multidões a visitar esse lugar. O efeito pode ser positivo caso o lugar precise de divulgação, mas em muitos casos as visitas chegam a níveis acima do que ele dá conta.

O que pode ser feito a respeito do overtourism?

Para que o turismo seja responsável, é essencial que ele seja desenvolvido pensando nos interesses não só dos visitantes, mas principalmente das comunidades locais. Não existe uma solução simples para o overtourism, nem uma fórmula que se aplique a todos os lugares, mas há várias possibilidades.

Uma grande parcela da responsabilidade cabe às autoridades responsáveis pela gestão do turismo nos destinos e às empresas que atuam no setor. Enquanto a meta principal dos órgãos de turismo e empresários for simplesmente aumentar o número de visitantes, continuarão existindo efeitos negativos. Tudo começa com a pergunta: o destino quer usar o turismo ou ser usado por ele?

É possível, por exemplo, envolver a população na gestão do turismo, trabalhar para desenvolver atrativos que atraiam viajantes na baixa temporada e capacitar profissionais e empresas fora do trade turístico tradicional, ou em regiões menos saturadas da cidade, para diversificar a oferta turística.

Os viajantes, por sua vez, têm a responsabilidade de se informar sobre as consequências da sua presença nos destinos que visitam e se esforçar para ter um impacto positivo. Algumas formas de não contribuir com o overtourism são priorizar viagens na baixa temporada e explorar destinos menos populares.

Você já tinha ouvido falar em overtourism? Tem alguma dúvida ou contribuição a fazer sobre esse conceito? Conta para a gente nos comentários!

Texto acima escrito por Luísa Ferreira, associada do Coletivo Muda.

Luísa Ferreira é jornalista e autora do blog Janelas Abertas e do livro Guia de viagens pra dentro e pra fora (breve lançamento), em que provoca reflexões sobre como podemos viajar de forma menos superficial e mais responsável.